sábado, 24 de janeiro de 2015

A vitória de Bolívar

 (Repetição do que foi publicado por um dos Blogs do Painel do Paim em:

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007)



Órfão numa família rica, criado pela negra Hipólita, que considerava mãe, nasceu em Caracas, em 1783, aos 16 anos, em 1800, foi estudar na Espanha. Em 1804, assistiu, em Paris, na Notre Dame, à coroação de Napoleão. Em 1805, estava em Roma e, no Monte Sacro, jurou "dedicar a vida a romper as cadeias com que nos oprime o poder espanhol".
Passou pelos Estados Unidos e, em 1807, há exatos 200 anos, voltou à Venezuela para lutar pela independência. Pregava o "sonho bolivariano" de "uma América Latina unificada", uma "Comunidade das Nações Americanas", uma ONU americana, um século e meio antes da ONU. Libertou a Venezuela, a Colômbia, o Peru, a Bolívia.
Era um libertário: "Não usurparei a liberdade. Tenho mais medo da tirania do que da morte. Fugi de um país onde um só indivíduo exerce todos os poderes. Seria apenas um país de escravos. Chamai-me libertador da República. Jamais serei seu opressor".

Chávez e Lula
Quem derrotou Chávez (e, por tabela, Lula e seus turvos sonhos), na Venezuela, domingo, foi Bolívar. Foi a vitória do que Bolívar pensava e pregava. Terceiro mandato é "usurpação", "tirania", "opressão". É ditadura. Se você quiser saber um pouco mais, na verdade um pouco muito, sobre o que pensava Bolívar, leia "Vision y actuacion internacional de Simon Bolívar" (assim em espanhol, porque uma tese de doutorado na Espanha), do culto padre José Carlos Aleixo (filho de Pedro Aleixo).
(Ou: "Bolívar", de Salvador de Madariaga, México, 1951, 2 vols.)

Heloneida
E já que falamos de liberdade e libertários, choremos uma lutadora incomparável, que acabamos de perder: a inesquecível Heloneida Studart, cearense, bisneta de barão, jornalista, escritora, autora de best-sellers como "Mulher, brinquedo do homem", "Mulher, objeto de cama e mesa", primeira líder feminista do Rio, várias vezes deputada do MDB e PT.
Na página 1140, do excelente DHBB (Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro), da FGV-CPDOC, uma foto histórica mostra as polícias do Exercito e do Rio, em plena ditadura, em 1978, dissolvendo uma passeata na Avenida Rio Branco e todos resistindo como podiam: senador Nelson Carneiro, deputados ou candidatos Helio de Almeida, Marcelo Cerqueira, Raimundo de Oliveira, Delio dos Santos e outros. E, no meio do tumulto, da confusão, daqueles homens todos, apenas uma mulher, brava e valente, com seus óculos grossos, Heloneida Studart.

Marcelo
Algum tempo depois, a Polícia Militar do Rio estava espancando os estudantes, em frente à UNE, na praia do Flamengo, 132, e resolveu surrar também deputados e vereadores: Marcelo Cerqueira, Valter Silva, Raimundo de Oliveira, José Eudes, Heloneida Studart, Helio Fernandes Filho e Antonio Carlos de Carvalho. Marcelo Cerqueira correu para um botequim ao lado e ligou para o gabinete do ministro da Justiça, Abi Ackel:
- Preciso falar com o ministro ou com o secretário Sileno Ribeiro.
- Não estão. Aqui é o Oyama Teles, assessor de imprensa.
- Ótimo, Oyama. É o deputado Marcelo Cerqueira, do MDB do Rio. A polícia transformou a praia do Flamengo numa praça de guerra e está arrebentando deputados, vereadores, estudantes, o povo. Não respeitam ninguém. Como é que eu faço para falar agora com o ministro?
- Deputado, nós não temos nada com isso. Isso é coisa do Chagas (Chagas Freitas, governador do Rio, também do MDB).


Oyama
- Oyama - respondeu Marcelo -, essa conversa é velha. No governo do Castelo Branco era a mesma coisa. A polícia batia, o governo federal dizia que a culpa era do Negrão e o Negrão culpava Brasília. E foi assim que o AI-5 nasceu: o povo apanhando de um pau sem dono.
- Mas, deputado, primeiro é preciso saber quem está batendo.
- Oyama, não estou preocupado com quem bate, mas com quem apanha.

E desligou. O português do botequim estava de olhos arregalados e puxava Heloneida para dentro:
- Fique aqui, minha senhora, os homens lá fora estão batendo muito.
- Meu senhor, obrigado, mas eu sou do lado dos que estão apanhando. E voltou para a rua e para a briga.


Saudade
Outra história da Heloneida. Quatro pastas com documentos (sobre a "Amazônia, condições de vida e trabalho da mulher, favelas e meio ambiente") desapareceram misteriosamente das gavetas da deputada Heloneida Studart, na Assembléia Legislativa. Ela encontrou seu armário, trancado à chave, com a porta forçada.
Pediu a seu colega de bancada do MDB, advogado Francisco Amaral, que redigisse uma representação à mesa. Amaral escreveu. Na hora da leitura, Heloneida levou um susto. Começava assim:
"Heloneida Studart, brasileira, desquitada"...

Heloneida parou de ler, reclamou:
- O deputado Francisco Amaral cometeu um ato falho. Não sou desquitada. Sou casada, e com o mesmo homem, há 25 dias (sic)...
A Assembléia caiu na gargalhada. Ato falho por ato falho, o dela era maior. É como a saudade dela. Há três dias ela se foi e já parece um tempão.