domingo, 19 de abril de 2015

Resistência a antibióticos de tribo venezuelana isolada preocupa especialistas

Os indígenas da tribo Yanomami foram vistos pela primeira vez em 2008
Uma remota tribo ianomâmi da Amazônia venezuelana parece ser resistente aos antibióticos modernos, embora seus membros não tenham tido quase nenhum contato com o mundo exterior - informaram pesquisadores nesta sexta-feira.
Os indígenas da tribo Yanomami foram vistos pela primeira vez em 2008, e visitados um ano depois por uma equipe médica venezuelana que recolheu amostras de 34 deles, incluindo cotonetes com culturas de pele e boca, e amostras de fezes.
Para proteger a privacidade dos indígenas, a localização da aldeia não pode ser publicada.
Os cientistas descobriram que o microbiota das tribos - a comunidade de bactérias, fungos e vírus que vivem dentro e no corpo - era muito mais diversificada do que a observada em comunidades de venezuelanos rurais e malawianos. A microbiota dos indígenas é duas vezes mais diversa do que a observada em um grupo de referência de norte-americanos.
Os aldeões isolados são geralmente saudáveis , o que pode ser graças a uma microbiota que "contém talvez os mais altos níveis de diversidade bacteriana já registrados em um grupo humano", destacou o estudo publicado na revista Science Advances.
Embora os ianomâmi tenham algumas camisetas, facões e pedaços de metal, o que sugere algum contato limitado com a civilização, eles não foram expostos a muitos elementos da vida contemporânea que podem reduzir a exposição a micróbios, como comer alimentos processados, tomar antibióticos, higiene das mãos e partos por cesariana, segundo os cientistas.
Alguns micróbios pareciam ter um efeito protetor sobre a saúde dos indígenas, como a prevenção da formação de pedras nos rins.
As tribos vivem em pequenas aldeias, em uma área remota acessível apenas por helicóptero ou viajando durante dias em uma canoa.
Os pesquisadores não encontraram nenhuma evidência de obesidade ou desnutrição entre as pessoas da tribo, que têm uma dieta à base de peixes, sapos, insetos, banana-da-terra e uma bebida fermentada de melão, explicou Maria Gloria Dominguez-Bello, da escola de medicina da Universidade de Nova York.
No entanto, ela disse que não foram coletadas amostras de alimentos e bebidas da tribo, o que poderia revelar mais sobre como conseguiram sua diversa flora intestinal.
"Eu adoraria voltar para a comunidade, agora que sabemos o que sabemos", disse ela.
Os cientistas esperavam encontrar alguma resistência a antibióticos na população, porque esses genes de resistência têm existido em bactérias do solo por milhões de anos ou mais - por isso faria sentido que eles tenham migrado para as pessoas, mesmo sem o uso de antibióticos.
O que realmente surpreendeu a equipe foi a descoberta de que a tribo tinha cerca de 30 genes resistentes a antibióticos que eram totalmente desconhecidos pela ciência.
Ainda mais, estes genes eram resistentes a alguns dos antibióticos sintéticos mais recentemente desenvolvidos do mundo.
"Foi alarmante para nós encontrar genes que inativam estas drogas sintéticas modernas na população Yanomami", disse o coautor Gautam Dantas, da escola de medicina da Universidade de Washington.
"Vemos isso como mais um pedaço de evidência clara de que a resistência aos antibióticos é realmente uma característica natural da microbiota humana, mas que está pronta para ser ativada e ampliada para maior resistência após o uso de antibióticos", afirmou à imprensa.
A era moderna de antibióticos começou na década de 1940 quando a penicilina tornou-se rapidamente uma droga popular. Muitos outros tipos de antibióticos foram descobertos e comercializados a partir de 1950 a 1970. A maioria surgiu de bactérias encontradas no solo.
Mas o uso generalizado de antibióticos em pessoas e animais aumentou a preocupação com a aproximação de uma era futura em que os antibióticos não funcionarão em todos - anunciando o retorno de infecções persistentes fatais em vez de tratáveis.
Superbactérias resistentes a drogas estão em ascensão, especialmente nos hospitais, onde elas matam dezenas de milhares de pessoas no Ocidente a cada ano.
A mais recente pesquisa "enfatiza a necessidade de aumentar a busca por novos antibióticos. Caso contrário, nós vamos perder a batalha contra as doenças infecciosas", concluiu Dantas

sábado, 24 de janeiro de 2015

A vitória de Bolívar

 (Repetição do que foi publicado por um dos Blogs do Painel do Paim em:

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007)



Órfão numa família rica, criado pela negra Hipólita, que considerava mãe, nasceu em Caracas, em 1783, aos 16 anos, em 1800, foi estudar na Espanha. Em 1804, assistiu, em Paris, na Notre Dame, à coroação de Napoleão. Em 1805, estava em Roma e, no Monte Sacro, jurou "dedicar a vida a romper as cadeias com que nos oprime o poder espanhol".
Passou pelos Estados Unidos e, em 1807, há exatos 200 anos, voltou à Venezuela para lutar pela independência. Pregava o "sonho bolivariano" de "uma América Latina unificada", uma "Comunidade das Nações Americanas", uma ONU americana, um século e meio antes da ONU. Libertou a Venezuela, a Colômbia, o Peru, a Bolívia.
Era um libertário: "Não usurparei a liberdade. Tenho mais medo da tirania do que da morte. Fugi de um país onde um só indivíduo exerce todos os poderes. Seria apenas um país de escravos. Chamai-me libertador da República. Jamais serei seu opressor".

Chávez e Lula
Quem derrotou Chávez (e, por tabela, Lula e seus turvos sonhos), na Venezuela, domingo, foi Bolívar. Foi a vitória do que Bolívar pensava e pregava. Terceiro mandato é "usurpação", "tirania", "opressão". É ditadura. Se você quiser saber um pouco mais, na verdade um pouco muito, sobre o que pensava Bolívar, leia "Vision y actuacion internacional de Simon Bolívar" (assim em espanhol, porque uma tese de doutorado na Espanha), do culto padre José Carlos Aleixo (filho de Pedro Aleixo).
(Ou: "Bolívar", de Salvador de Madariaga, México, 1951, 2 vols.)

Heloneida
E já que falamos de liberdade e libertários, choremos uma lutadora incomparável, que acabamos de perder: a inesquecível Heloneida Studart, cearense, bisneta de barão, jornalista, escritora, autora de best-sellers como "Mulher, brinquedo do homem", "Mulher, objeto de cama e mesa", primeira líder feminista do Rio, várias vezes deputada do MDB e PT.
Na página 1140, do excelente DHBB (Dicionário Histórico Biográfico Brasileiro), da FGV-CPDOC, uma foto histórica mostra as polícias do Exercito e do Rio, em plena ditadura, em 1978, dissolvendo uma passeata na Avenida Rio Branco e todos resistindo como podiam: senador Nelson Carneiro, deputados ou candidatos Helio de Almeida, Marcelo Cerqueira, Raimundo de Oliveira, Delio dos Santos e outros. E, no meio do tumulto, da confusão, daqueles homens todos, apenas uma mulher, brava e valente, com seus óculos grossos, Heloneida Studart.

Marcelo
Algum tempo depois, a Polícia Militar do Rio estava espancando os estudantes, em frente à UNE, na praia do Flamengo, 132, e resolveu surrar também deputados e vereadores: Marcelo Cerqueira, Valter Silva, Raimundo de Oliveira, José Eudes, Heloneida Studart, Helio Fernandes Filho e Antonio Carlos de Carvalho. Marcelo Cerqueira correu para um botequim ao lado e ligou para o gabinete do ministro da Justiça, Abi Ackel:
- Preciso falar com o ministro ou com o secretário Sileno Ribeiro.
- Não estão. Aqui é o Oyama Teles, assessor de imprensa.
- Ótimo, Oyama. É o deputado Marcelo Cerqueira, do MDB do Rio. A polícia transformou a praia do Flamengo numa praça de guerra e está arrebentando deputados, vereadores, estudantes, o povo. Não respeitam ninguém. Como é que eu faço para falar agora com o ministro?
- Deputado, nós não temos nada com isso. Isso é coisa do Chagas (Chagas Freitas, governador do Rio, também do MDB).


Oyama
- Oyama - respondeu Marcelo -, essa conversa é velha. No governo do Castelo Branco era a mesma coisa. A polícia batia, o governo federal dizia que a culpa era do Negrão e o Negrão culpava Brasília. E foi assim que o AI-5 nasceu: o povo apanhando de um pau sem dono.
- Mas, deputado, primeiro é preciso saber quem está batendo.
- Oyama, não estou preocupado com quem bate, mas com quem apanha.

E desligou. O português do botequim estava de olhos arregalados e puxava Heloneida para dentro:
- Fique aqui, minha senhora, os homens lá fora estão batendo muito.
- Meu senhor, obrigado, mas eu sou do lado dos que estão apanhando. E voltou para a rua e para a briga.


Saudade
Outra história da Heloneida. Quatro pastas com documentos (sobre a "Amazônia, condições de vida e trabalho da mulher, favelas e meio ambiente") desapareceram misteriosamente das gavetas da deputada Heloneida Studart, na Assembléia Legislativa. Ela encontrou seu armário, trancado à chave, com a porta forçada.
Pediu a seu colega de bancada do MDB, advogado Francisco Amaral, que redigisse uma representação à mesa. Amaral escreveu. Na hora da leitura, Heloneida levou um susto. Começava assim:
"Heloneida Studart, brasileira, desquitada"...

Heloneida parou de ler, reclamou:
- O deputado Francisco Amaral cometeu um ato falho. Não sou desquitada. Sou casada, e com o mesmo homem, há 25 dias (sic)...
A Assembléia caiu na gargalhada. Ato falho por ato falho, o dela era maior. É como a saudade dela. Há três dias ela se foi e já parece um tempão.